O Sol ardia nas costas de um ser solitário, de cabelo castanho e de t-shirt branca. Andava lentamente através de uma estrada com o alcatrão totalmente gasto, cheio de buracos.
MS: Raios, nunca mais lá chego.
Falava sozinho, como se estivesse lá mais alguém que lhe respondia ao ouvido, de modo a que só ele ouvisse. Era algo estranho, porém, ninguém o ouvia. Percorria sozinho todos os caminhos, sempre em busca de aventura. Curiosamente, ele não parava há muito tempo. Era um ser instável, era um nómada. Parava aqui, ou ali, neste país que é Portugal. Mas nunca, nunca, se mantinha no mesmo sítio.
MS: Ah, finalmente, a brisa do mar.
Chegara agora a uma praia desértica, onde o mar era um azul escuro, completamente limpo. A espuma chegava a seus pés, devido às pequenas dimensões da praia.
Deitou-se na areia, mirando o mar através do cabelo.
MS: Já tenho o cabelo grandito. Temos que arranjar uma tesoura, não concordas?
Não, não estava louco. Simplesmente o seu melhor amigo, era, na verdade, ele próprio. Sabia que ao perguntar tudo, teria a resposta dentro de si, mas fazia-o.
Michael tinha 22 anos, e vivia seguindo a filosofia de seu ídolo, Christopher McCandless.
MS: Vivemos numa sociedade deprimente, sabes? Numa sociedade que só quer saber do dinheiro, em que os sentimentos não interessam. As pessoas são estúpidas, e o que interessa é os bens, e não o que nós somos. Acho isso ridículo. Que melhor bem que a natureza?
Desde novo que vivia sobre esta filosofia. Porém, quando descobriu quem fora Alexander Supertramp, fortaleceu a sua maneira de pensar, não alterando-a completamente, mas sim, vendo certas coisas de outra maneira.
MS: Nunca tive muito nesta vida, nem precisei. Tinha o essencial, e odiava ver pessoas exibicionistas, que mostravam tudo o que tinham só para se gabarem. Seres idiotas.
Mirou o mar, novamente. Como estava belo. Num segundo, levantou-se, e correu para o mar. Estava com todas as pessoas da roupa vestidas, mas não se importava.
MS: Que maravilhosa.
Saiu novamente da água, pingando a areia esbranquiçada daquela praia. Deitou-se na areia, admirando as nuvens e o céu claro que estava naquele dia.
MS: McCandless, quando morrer, espero encontrar-te. O teu espírito será eterno.
Fez uma pausa, fechando os olhos.
Acabara por adormecer. Abriu os olhos, e tinha agora uma luz a iluminar-lhe os olhos, uma luz brilhante.
MS: Ah, foda-se! Que merd…
? - Olha lá a linguagem menino. Que é que fazes aqui, a esta hora, feito croquete?
Uma voz grossa e algo rouca perguntou isto. Desligou de imediato a luz, e deu uma chapadinha amigável na face de Michael.
MS: Vivo a minha vida.
? - Então acorda para ela. Andas a viver de quê, para estares aqui a estas horas da noite, quando te vejo aqui desde as duas da tarde?
Michael levantou-se, e reparou que estava a falar com um senhor dos seus 40 anos, com o cabelo já algo grisalho e de estatura média. Tinha uns olhos azuis que brilhavam à luz da lua, e umas mãos gastas de trabalhar. Tinha também uma considerável barriga, e uns braços e mãos longas, com os quais segurava um balde preto cheio de peixe.
MS: Vivo do que a natureza me dá.
Respondeu com um sorriso na cara, vendo que não estava a falar com seres que ele despreza.
?: E a natureza dá-te o quê, soninho meu amigo?
Notou uma expressão cómica na face do cujo dito. Sorria agora, realçando os seus dentes algo amarelos.
MS: Pois…parece que sim. Sente-se.
?: Os seus desejos são ordens, donzela.
Ambos sentaram-se e começaram a dialogar rapidamente. Só tinham passado 5 minutos quando Michael já sabia quem era o senhor com quem falava. João Rocha, era o nome do senhor. Tinha 43 anos, e era pescador. Quando era mais novo, tinha problemas de álcool e era toxicodependente.
MS: Então, você conseguiu curar-se há 20 anos, João?
JR: Exacto. Álcool continuo a consumir, claro, o que é de mim sem a minha cerveja, ou o meu copinho de vinho enquanto faço uma pescaria.
MS: Nunca precisei disso – respondeu, olhando para o mar, que brilhava à luz da Lua – Que beleza.
João olhou para a sua cara, e viu que olhava para o Mar.
JR: Lua cheia, meu amigo. É sempre assim, nestas noites.
MS: Pois, eu sei. Mas hoje parece que estou a adorar ainda mais.
Michael fazia habitualmente amigos, porém, estava a gostar do simplório João.
JR: E tu, o que é que andas a fazer por aqui, a estas horas? Ainda não me respondeste!
MS: Ah, apreciar o mundo como ele é, e não como o fazem.
JR: Fazes bem rapazote. E o que fazes da vida?
MS: Para além de apreciar o mundo como ele é?
JR: Sim.
MS: Luto.
JR: Lutas?
MS: Exacto.
JR: Lutas o quê, boxe?
MS: Não, wrestling.
JR: E tu gostas disso rapaz?
MS: Consigo aliviar todos os meus pensamentos, lá. A raiva que tenho dos idiotas. É toda largada lá. Assim, não preciso de destruir a natureza para a largar.
JR: Curiosa, a tua maneira de pensar. És um rapaz muito novo com uma cabeça já tão velha.
Michael fez um silêncio.
MS: …não tem que ir trabalhar?
JR: Rapaz, hoje fiz um amigo. Não tenho muitos mais. Não tenho das melhores famas por estes lugares, devido ao que fazia quando era miúdo. Agora tu, julgaste-me de outra maneira. Viste que consegui lutar, e fizeste de mim um amigo, e por isso te agradeço.
A noite continuava, enquanto Michael falava com este novo amigo. Sabia que tinha agora alguém com quem passar tempo, e de certeza que todas as noites de lua cheia, ia lá voltar. Aprendera naquele noite a pescar, coisa que lhe passa completamente ao lado, durante toda a sua vida.
JR: Não tens casa, rapaz?
MS: Não. Durmo aqui e ali. Sou um autentico nómada.
JR: Então hoje tens onde dormir. E é na minha casa, com a minha família.
E assim foi. No dia seguinte, Michael acordou-se, e saiu cedo de casa, deixando um bilhete que apenas dizia:
- Citação :
- “Muito obrigado! Todas as noites de lua cheia, espero encontrá-lo no mesmo sítio! Levei também as restantes bolachas que comi ontem à noite, espero que não se importe. Até uma próxima!”